Entenda quando ‘meio’ é numeral e quando é advérbio de intensidade
MEIO ou MEIA?
1) A palavra meio, quando significa “metade”, é numeral. Deve concordar com o substantivo a que se refere: “Bebeu meio litro de uísque”; “Bebeu meia garrafa de cerveja”; “Leu um capítulo emeio”; “Leu uma página e meia”; “É uma hora e meia”; “É meio-dia e meia (hora)”…
2) A palavra meio, quando significa “mais ou menos”, é advérbio de intensidade. Os advérbios são palavras invariáveis (=não se flexionam em gênero e número): “A aluna ficou meio nervosa”; “Os clientes saíram meio satisfeitos”; “A atleta está meio cansada”; “Ela é meio poderosa”…
-> A dúvida
Pergunta do leitor: “Lendo recentemente um conto de Machado de Assis (Capítulo dos Chapéus), deparei-me com a seguinte frase: …foi à sala de visitas, chegou à janela meia aberta, viu…Pensei tratar-se de um erro de revisão, mas em um outro conto (Casa Velha), deparei-me com frase semelhante. Custa-me crer que Machado de Assis tenha cometido tal erro. Em que ocasiões pode meia ser usada? Meia ou meio cansada?”
Rigorosamente, segundo as regras da gramática tradicional, os advérbios não se flexionam (= sem feminino, sem plural): “ela está meio cansada” e “a janela está meio aberta”.
Não sei se houve erro de impressão ou se o grande Machado cometeu um erro gramatical. E não estou muito preocupado com isso. Já disse muitas vezes: não devemos reduzir fatos linguísticos a discussões simplistas de certo ou errado.
Não sou adepto da “teoria da exceção”. Respeito o fato de uma palavra ou alguma estrutura sintática ter sido citada ou usada por um ou outro autor. Isso não significa, entretanto, que eu também vá usar ou ensinar aos meus alunos.
Se ninguém diz que “ela está muita cansada ou pouca cansada” e que poucos dizem “meiacansada”, prefiro seguir a maioria: “ela está meio cansada”, porque não está “muito cansada” nem “pouco cansada”.
-> Outra dúvida
Outro leitor comenta: “Machado de Assis estava certo ao escrever ‘janela meia aberta’. Você não acha que ele quis dizer que a janela estava aberta pela metade ou então que tinha a metade aberta?”
Não é a primeira vez que leio essa interpretação. Pode até ser verdadeira, mas acredito mesmo que tenha havido o que alguns autores hoje chamam de “concordância atrativa” (= é feita por proximidade em vez de seguir a lógica gramatical). Isso significa que o advérbio “meio” estaria concordando com o adjetivo “aberta” devido à proximidade.
Isso explicaria também o caso do “meia cansada”. Aqui fica muito difícil sustentar a ideia de “metade”. Se a pessoa ficou “meia cansada”, certamente não ficou “metade” cansada.
ESTADIA ou ESTADA?
Sempre ensinei que estadia é “o período em que o navio fica no porto para carga e descarga” eestada é “o ato de estar, permanência”.
Sempre brinquei em minhas aulas: “quando entro num hotel e me desejam um boa estadia, eu me sinto um navio, mas…tudo bem. O importante é ser bem tratado durante a estada no tal hotel”.
Juro que é última vez que direi tal “gracinha”. Eu sei que o novíssimo Aurélio considera estadiasinônimo de estada, permanência. Sendo mais justo ainda: o dicionário Michaelis já dizia isso há mais tempo.
Isso significa, portanto, que estada e estadia, no sentido de “permanência”, são sinônimos. Para os navios, só vale a estadia.
ATERRIZAR ou ATERRISSAR?
O velho dicionário Caldas Aulete só registrava a forma aterrissar. No entanto, a forma aterrizar já está devidamente registrada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicado pela Academia Brasileira de Letras, e por vários dicionários, entre eles o próprio Aulete digital, o Houaiss, o Michaelis e o Aurélio.
Aqui não há mais discussão. As duas formas são totalmente aceitáveis.
MAU-OLHADO ou MAL-OLHADO?
As duas palavras existem, mas apresentam significados diferentes:
a) mal-olhado = adjetivo, é o “que não é bem visto, bem aceito; malvisto;
detestado, odiado” (Dicionário Michaelis).
b) mau-olhado = substantivo, é a “qualidade que a crendice popular atribui
a certas pessoas de causarem desgraças àquelas para quem olham”.
Observação: o adjetivo mal-olhado não aparece no dicionário Aurélio, mas está registrado no dicionário Michaelis e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da ABL.
Saiba quando podemos usar crase antes de palavras masculinas
Publicamos outro dia nesta coluna: “Não há crase antes de palavra masculina”. Entre os comentários recebidos estava uma crítica de um leitor. Veja: “Acredito que há exceção a esta regra, tanto no que se refere a expressões que denotam modo/moda (Filé à Osvaldo Aranha) quanto no uso do pronome demonstrativo “aquele” com verbo que peçam a preposição “a” (Dedicou-se àquele amor por toda a vida).”
Os exemplos analisados pelo leitor estão corretíssimos. Devemos usar o acento da crase nos dois casos.
Quando dizemos que não há crase antes de palavras masculinas, estamos fazendo referência ao caso mais frequente da crase (preposição “a” + artigo definido feminino “a”). Antes de palavra masculina, é impossível haver o artigo definido feminino: “Andar a pé”; “Vender a prazo”; “Falar a respeito disso”.
Não devemos confundir uma “dica” com regras. Os dois exemplos citados pelo leitor não são exceções. São apenas casos diferentes.
PERCENTAGEM ou PONTO PERCENTUAL?
Leitor quer saber: “Qual é o significado de 2 pontos percentuais? Não seria simplesmente 2%?”
Percentagem e ponto percentual não são sinônimos. Não tenho culpa. É a “matemática” da vida.
Vou responder com um exemplo bem simples. Vamos imaginar que a inflação subiu de 2% para 4%. Isso significa que a inflação subiu 100% ou 2 pontos percentuais.
Vejamos outro caso. A inflação subiu de 2% para 3%. Agora o aumento foi de 50% ou de 1 ponto percentual.
0,5 PONTO ou PONTOS?
Leitor quer saber se a concordância se faz no singular ou no plural.
Vou responder com uma pergunta: como você diria se fosse 1,5? A maioria diria “um ponto vírgula cinco” ou “um ponto e meio”. Para 2,5, diríamos “dois pontos vírgula cinco” ou “dois pontos e meio”. Parece claro que o ponto se refere ao número que vem antes da vírgula. Assim sendo, eu diria “zero ponto vírgula cinco” ou simplesmente “meio ponto”. Prefiro, portanto, 0,5 ponto.
E AGORA, DICAS DE… INGLÊS!
Na última coluna, falamos a respeito de erros gramaticais em mensagens publicitárias.
Quero voltar ao assunto, mas com outro enfoque. Vamos analisar alguns textos usados em algumas propagandas antigas de cursos de língua estrangeira:
1a) Um pirata, para aprender inglês, repete o famoso “the book is on the table”, obedecendo às ordens do papagaio que insiste com o seu chatíssimo “repeat”. Meia hora depois, o timoneiro conclui: “É preciso mudar o curso”.
Nesse exemplo, o interessante é observar a ambiguidade intencionalmente criada pelo uso da palavra “curso”, que apresenta duas claras interpretações: “mudar o curso a ser seguido pelo barco pirata” e “mudar o curso de inglês”, ou seja, buscar um outro curso que ofereça novos métodos de ensino de língua estrangeira. Sem as repetições impostas pelo papagaio pirata.
2a) Um personagem, que teria sido devorado por canibais numa propaganda do mesmo curso de inglês no ano anterior, reaparece num deserto e encontra uma lâmpada. Dentro está uma “gênia” do tipo Feiticeira que só fala inglês. O nosso personagem, que já morrera no ano anterior por não saber falar inglês, fica novamente em apuros. Louco para libertar a sua Joana Prado, pergunta como “open” a garrafinha. E ela ensina: “push, push”. O nosso herói não hesita, e puxa. Os dois terminam juntos dentro da garrafa. Não entendi a cara de desespero do herói. Afinal, juntos dentro da garrafa, ele terá a eternidade para aprender a falar inglês.
Não sei se é verdade, mas ouvi história semelhante numa grande empresa onde há muito tempo dou meus cursos de “redação, atualização e reciclagem”. Dizem que um “grandão” de três metros de altura por dois de “largura”, candidato a uma vaga de segurança, foi até a empresa para a entrevista de seleção. Lá as portas são de vidro, e está escrito com letras garrafais para ninguém se enganar: “PUSH”. O grandalhão puxou uma, puxou duas e na terceira vez usou o que tem de melhor: a sua força. Ficou com a maçaneta na mão. Você pode imaginar como ficou o vidro da porta. Triste mesmo foi ver aquele homenzarrão chorando porque fatalmente perderia o emprego.
Tanto essa historinha quanto a propaganda mostram a necessidade de se conhecer a língua inglesa. E como é perigoso usar palavras cujos sons são semelhantes, mas com sentidos bem diferentes: “push” parece “puxe”, mas significa “empurre”.
Quanto à propaganda, tudo bem. Afinal, o curso de inglês tem de convencer os seus clientes de que precisam conhecer bem a língua inglesa.
Por outro lado, a empresa brasileira que escreve “push” nas suas portas de vidro merece mesmo é vê-las quebradas. Demitido deveria ser quem mandou escrever tamanha besteira. Digo e repito: usar termos ingleses desnecessários é macaquice.
3a) Outro curso de inglês, para valorizar o seu produto, afirma: “No atual mercado de trabalho, para quem não souber inglês, só vai sobrar o de mímico”.
Eu só quero saber o que vai sobrar para quem não souber nem o português.
Um aviso aos estudantes. Todos sabem que inglês e informática se tornaram exigências básicas para qualquer profissão. Devido às minhas andanças por este vasto país, por ter dado cursos e palestras em mais de 100 empresas, por ter ouvido muitos dirigentes e responsáveis pelo setor de Recursos Humanos, hoje eu tenho mais uma certeza. Anotem outras duas exigências: português e matemática financeira.
Conheça erros gramaticais em propagandas famosas
Leitor quer saber minha opinião a respeito de algumas mensagens publicitárias que apresentam, segundo ele, erros gramaticais.
Na sua mensagem, ele diz: “…sempre fui voto vencido. Quando questionava uma frase por conter algum erro gramatical, sempre havia aqueles que diziam que a linguagem publicitária é diferente, que pode tudo ou usavam outros argumentos com os quais nunca concordei. Caro professor, comente as frases abaixo sob a luz da gramática tradicional. Faça de conta que não é propaganda. Quero apenas testar os meus conhecimentos gramaticais adquiridos há algum tempo e que me custaram muito sofrimento”. As frases são as seguintes:
Vem pra Caixa você também.
Você quer um desconto? Faz um 21!
Obedeça sua sede.
O primeiro pagamento só daqui 45 dias.
Quem lê, sabe.
Vota Brasil.
Vamos dividir a resposta em três partes:
1a) Nos dois primeiros exemplos, encontramos o mesmo problema. É um vício de linguagem muito característico do português falado no Brasil. É o chamado duplo tratamento (=mistura de 2a com 3a pessoa).
O pronome “você” vem de “vossa mercê”. Trata-se de um pronome de tratamento. Faz concordância na 3ª pessoa (=você vem, você faz, você fala…), embora se refira ao receptor da mensagem (substitui o pronome “tu” = 2ª pessoa do discurso).
A mistura ocorre na hora de usarmos o verbo no imperativo afirmativo. Enquanto a 2ª pessoa vem do presente do indicativo sem o “s” (=vem tu, faze ou faz tu, fala tu), a 3ª pessoa vem do presente do subjuntivo:
que você venha – venha você;
que você faça – faça você;
que você fale – fale você.
Assim sendo, num texto formal em que se fizesse necessário o uso culto da língua portuguesa, deveríamos dizer:
Venha para Caixa você também;
Você quer um desconto? Faça um 21.
2a) Nos exemplos 3 e 4, houve a omissão indevida da preposição “a”. O verbo “obedecer” é transitivo indireto. Se você realmente obedece, sempre deverá obedecer “a” alguma coisa. A mesma propaganda diz que “a imagem não é nada”. Pelo visto, para os autores da frase, a preposição também não é. O certo seria “Obedeça a sua sede”. O uso do acento da crase, nesse caso, é facultativo.
No exemplo 4, também está faltando a preposição. Tudo é “daqui a”: “O primeiro pagamento só daqui a 45 dias”.
3a) Os dois últimos exemplos já foram comentados nesta coluna. Evitando voltar às velhas discussões sobre o assunto, repito apenas a minha opinião.
Em “Quem lê, sabe”, não deveríamos usar a vírgula, pois separa o sujeito do predicado: “Quem lê sabe”; “Quem bebe Grapete repete”.
Em “Vota Brasil”, falta a vírgula. O termo “Brasil” não é o sujeito da oração. É vocativo. A forma verbal (= vota) está no imperativo. Deveríamos escrever: “Vota, Brasil”.
2) CRASE IMPOSSÍVEL
Leitor quer saber a minha opinião a respeito do excessivo uso do acento da crase numa única página da internet: “…ainda à partir da segunda metade (…) só tende à esquentar (…) surpreendeu à todos (…) rodando à 1,5GHz (…) melhora o suporte à CD (…) suporte à HTLM moderno (…) rodando à 433MHz e 466MHz…”
O nosso leitor tem inteira razão. O autor da página não acertou uma sequer. Em todos os casos não ocorre a crase porque não há artigo definido. Temos apenas a preposição “a”.
Não esqueça que é impossível haver crase:
1o) antes de verbo: “a partir da segunda metade”, “tende a esquentar”;
2o) antes de palavras masculinas: “surpreendeu a todos”, “suporte a HTLM moderno”.
3) MEGA SENA ou MEGA-SENA ou MEGASSENA?
Carta de leitor: “Insisto com o problema do mega: mega-sena, mega sena, megasena ou megassena? Há meses aguardo uma explicação e já estou desconfiado de que não tenho resposta justamente por causa da insistência. Puxa, lá vem de novo aquele cara chato com a questão da megassena. Tudo indica que esta seja a forma correta, mas a dúvida permanece.”
Só vou responder devido à sua insistência, pois considero essa discussão um caso perdido.
O elemento “mega”, segundo o novo acordo ortográfico, só deve ser usado com hífen se a palavra seguinte começar por H ou vogal igual à última do prefixo: mega-avaliação, mega-hospital…
Nos demais casos, é sempre usado sem hífen, “tudo junto” como se diz popularmente: megacéfalo, megaevolução, megafone, megassismo, megawatt, megaevento, megaempresário…
Assim sendo, deveríamos escrever “megassena”. Por ser uma marca, torna-se um caso perdido, ou seja, não tem volta.
Outro problema é a necessidade do “ss” para manter o som do “esse”. Há muito tempo aprendemos que um “s” entre vogais representa o som do “zê”.
Se isso fosse respeitado, escreveríamos “telessena”, “aerossol”, “Mercossul”…
Saiba a maneira correta de empregar o pronome reflexivo ‘se’
Quem lê esta coluna com certa frequência já sabe. Estou há mais de um mês tentando organizar a minha correspondência, por isso não estranhe o fato de eu fazer alusão a uma carta antiga ou escrever a respeito de alguma pergunta já respondida. É que o número de leitores novos, graças a Deus, é muito maior do que eu imaginava.
O assunto de hoje é bem interessante. Por meio de fax, mensagens eletrônicas ou cartas, vários leitores querem saber se o verbo “suicidar-se” é um pleonasmo ou não.
O argumento basicamente é o seguinte: o verbo “suicidar-se” vem do latim “sui” (”a si” = pronome reflexivo) + “cida” (=que mata). Isso significa que “suicidar” já é “matar a si mesmo”. Dispensaria, dessa forma, a repetição causada pelo uso do pronome reflexivo “se”.
Quanto à etimologia (=origem da palavra), os leitores têm razão.
Já que falamos em etimologia, é importante lembrar que as palavras terminadas pelo elemento latino “cida” apresentam essa triste ideia de “matar”: se o formicida mata formigas, se o inseticida mata insetos e se o homicida mata homens, o suicida só pode matar a si mesmo.
Não devemos, entretanto, fazer confusões. Existe uma pelo menos que, em vez de matar, salva muitas vidas: é a Nossa Senhora de Aparecida. A nossa padroeira, graças a Deus, tem outra origem.
Voltando ao verbo “suicidar-se”. Na verdade, os nossos leitores só têm razão quanto à origem da palavra. Se observarmos o uso contemporâneo do verbo “suicidar-se”, não restará dúvida: ninguém diz “ele suicida” ou “eles suicidaram”. O uso do pronome reflexivo “se” junto ao verbo está consagradíssimo. É um caminho sem volta. É um pleonasmo irreversível.
O verbo “suicidar-se” hoje é tão pronominal quanto os verbos “arrepender-se”, “esforçar-se”, “dignar-se”… Da mesma forma que “ela se esforça” e “eles se arrependeram”, “ela se suicida” e “eles se suicidaram”.
Diferente é o caso do verbo “autocontrolar-se”. O prefixo “auto” vem do grego e significa “a si mesmo”. Existe o substantivo “autocontrole” (=controle de si mesmo”), mas não há registro do verbo “autocontrolar-se”. Se você quer “controlar a si mesmo”, basta “controlar-se”.
É interessante, porém, saber que os nossos dicionários registram “autocriticar-se”, “autodefender-se”, “autodefinir-se”, “autodenominar-se”, “autodestruir-se”, “autodisciplinar-se”, “autoenganar-se”, “autogovernar-se”…
Resumindo: o uso correto do verbo é SUICIDAR-SE.
2) “Estamos a VOSSO ou SEU dispor”?
Os pronomes de tratamento (= senhor, Vossa Senhoria, Vossa Excelência…) fazem concordância na 3a pessoa. Portanto, o correto é “estamos a seu dispor”.
Não esqueça que Vossa Senhoria e Vossa Excelência são iguais a você (=3a pessoa), e não avós (2a pessoa do plural).
Observe o exemplo:
“Vossa Senhoria deve comparecer à reunião do próximo dia 20. Ficamos a sua disposição para mais esclarecimentos.”
3) ALGUM ou NENHUM?
Deu na Aula Extra: “…não faça restrição alguma…”, “…palavra sem registro algum”.
Comentário de um leitor: “Meu velho professor de Português já ensinava nos anos 30 que é correto o uso de duas negativas em uma oração, assim: não vou não, não tenho dinheironenhum.
Não seria melhor, e até mais bonita, a forma sugerida pelo meu professor?”
Eu também não considero erro o uso de duas negativas. São inevitáveis frases do tipo “não fiznada” e “não vi ninguém”.
Entretanto, se for possível, prefiro evitar a repetição de negativas. Em resumo:
1o) Não considero errada a frase “não tenho dinheiro nenhum”;
2o) Prefiro não repetir as negativas: “não tenho dinheiro algum”;
3o) Prefiro mesmo é “ter algum dinheiro”!!!
4) HAJA VISTA ou HAJA VISTO?
Deu na Aula Extra: “Foi demitido haja vista o problema surgido.”
Leitor protesta: “O senhor escreveu que não existe a forma haja visto. Mas haja visto não é o pretérito perfeito do subjuntivo, formado pelo subjuntivo do verbo haver (haja) e o particípio do verbo ver (visto)? O particípio corresponde a um adjetivo e flexiona-se. No exemplo acima o particípio deve concordar com a palavra problema, que é masculina. Então, acho que haja vistopode ser empregado corretamente na frase acima.”
Você tem razão quando diz que haja visto pode ser a forma composta do verbo ver: “Embora o comentarista haja visto (=tenha visto) o lance várias vezes, a dúvida permaneceu.”
Não devemos, entretanto, confundir os casos. Na frase analisada nesta coluna, a expressão “haja vista” significa “tendo em vista, devido a, por causa de”. Não é verbo. É uma expressão tão invariável quanto “tendo em vista”: “Foi demitido haja vista (ou tendo em vista) o problema surgido”.
Conserto x concerto: entenda as diferenças entre palavras parecidas
Esta coluna continua preocupada com o correto emprego das palavras. O assunto de hoje são as palavras homônimas homófonas (=iguais na pronúncia, diferentes na grafia e no significado) e as parônimas (=parecidas na forma e diferentes no significado).
Aqui estão os 15 casos mais citados pelos nossos leitores. Todos querem saber qual é diferença entre…
1) CONSERTO = correção, reparo – “Consertam-se sapatos”;
CONCERTO = sinfonia, harmonia – “O concerto será no Municipal”;
2) TAXAR = tributar, pôr uma taxa – “Estes serviços serão taxados”;
TACHAR = rotular, considerar – “Foi tachado de corrupto”;
3) SESSÃO = reunião – “Começou a sessão do júri”;
SEÇÃO = parte, divisão, departamento – “Está na seção de vendas”;
CESSÃO = ato de ceder – “Fez a cessão dos seus bens”;
4) CASSAR = anular – “Querem cassar o mandato do prefeito”;
CAÇAR = apanhar, pegar – “Querem caçar o animal”;
5) COZER = cozinhar – “Gosta de ovos cozidos”;
COSER = costurar – “Precisa coser a camisa rasgada”;
6) SERRAR = cortar – “Os galhos foram serrados”;
CERRAR = fechar – “Ficou com os olhos cerrados”;
7) INCIPIENTE = iniciante, o que está no início – “Era um projeto incipiente”;
INSIPIENTE = não sapiente, ignorante, sem sabedoria – “Era um argumento insipiente”;
8) RATIFICAR = confirmar – “O presidente vai ratificar a nossa decisão”;
RETIFICAR = corrigir – “É necessário retificar o seu erro”;
9) DESAPERCEBIDO = não apercebido, desprovido, desinformado – “Ficou desapercebido” ;
DESPERCEBIDO = não percebido, não observado – “O juiz passou despercebido”;
Alguns dicionários já consideram DESAPERCEBIDO sinônimo de DESPERCEBIDO (= não despercebido).
10) MANDATO = representação, poder de mando – “Cassaram o seu mandato”;
MANDADO = ordem judicial – “Impetrou um mandado de segurança”;
11) TRÁFEGO = de trânsito, movimento – “O tráfego está muito intenso nesta rua”;
TRÁFICO = comércio – “O tráfico de drogas está cada vez maior”;
12) DESCRIÇÃO = ato de descrever – “Foi fazer a descrição do cenário”;
DISCRIÇÃO = qualidade de quem é discreto – “Agiu com muita discrição”;
13) DESTRATAR = tratar mal – “Foi destratada em público pelo marido”;
DISTRATAR = romper um trato – “Não querem mais cumprir o contrato. Vão assinar um distrato”;
14) INFRINGIR = transgredir, violar, desrespeitar – “Está infringindo a lei”;
INFLIGIR = aplicar, impor – “Está infligindo um castigo”;
15) PRESCREVER = receitar ou perder a validade – “O médico prescreveu este remédio”, “O prazo já prescreveu”;
PROSCREVER = banir, expulsar – “Ele foi proscrito da cidade”.
GOSTAVA ou GOSTARIA?
Pergunta do leitor : “Eu gostava muito de conhecer o Brasil” e “Eu gostava muito de ir mas não posso”. A conjugação do verbo está correta?”
O nosso problema é o de sempre: querer reduzir tudo a uma simples questão de certo ou errado.
O uso do verbo no pretérito imperfeito do indicativo (=gostava) em vez do futuro do pretérito do indicativo (=gostaria) é muito comum em Portugal. É uma característica do português falado em Portugal. Não podemos considerar erro. Esse fato linguístico é abonado por muitos autores da nossa literatura.
É, portanto, uma questão de adequação.
No Brasil, o mais frequente é usarmos o verbo no futuro do pretérito do indicativo: “Eu gostariamuito de conhecer o Brasil”, “Eu gostaria muito de ir mas não posso”.
Usamos o pretérito imperfeito do indicativo para indicar fatos habituais no passado: “Na minha infância, eu gostava de visitar meus avós”.
OUTRA DÚVIDA
Deu num bom jornal: “Se o governo deixar correr solto (…) assistir impávido a cada um dos partidos que o apoiam escolher um candidato…”
O leitor tem razão: estamos confundindo impávido com impassível.
IMPÁVIDO significa “que não tem pavor, destemido” e IMPASSÍVEL é “ausência de paixão, de sentimento, indiferente à dor, que não padece”.
Portanto, o autor queria dizer “assistir impassível”, ou seja, “sem paixão, sem ação, sem sofrimento, indiferente”.
Confira mais exemplos de falsos sinônimos e saiba diferenciá-los
Conforme o prometido, voltamos hoje ao problema dos falsos sinônimos. São mais alguns casos para você tirar suas dúvidas.
Qual é a diferença entre…
1. REFUTAR e REJEITAR?
REFUTAR = contestar; REJEITAR = negar, não aceitar.
“Os diretores REFUTARAM os nossos argumentos.”
“A nossa proposta foi REJEITADA.”
2. IMPLANTAR e IMPLEMANTAR?
IMPLANTAR = dar início; IMPLEMENTAR = desenvolver, pôr em prática.
“É um sistema novo que ainda não foi IMPLANTADO na nossa empresa.”
“Os procedimentos já estão escritos e aprovados. Falta só a IMPLEMENTAÇÃO.”
Alguns dicionários não fazem mais essa distinção. Consideram IMPLANTAR e IMPLEMENTAR palavras sinônimas.
3. CONFISCAR e DESAPROPRIAR?
CONFISCAR = sem indenização; DESAPROPRIAR = com indenização.
“O coroa portuguesa CONFISCOU os bens de Tiradentes.”
“Para a construção do metrô, vários imóveis foram DESAPROPRIADOS.”
4. ROUBAR e FURTAR?
ROUBAR = com violência; FURTAR = sem violência, ameaça, constrangimento…
“Parou num sinal vermelho e teve seu carro ROUBADO.”
“O cleptomaníaco é aquele que tem a mania de FURTAR.”
5. DESCRIMINAR e LEGALIZAR?
DESCRIMINAR = inocentar de um crime, descriminalizar; LEGALIZAR = tornar legal.
“O projeto queria DESCRIMINAR o uso de maconha.”
“O objetivo é LEGALIZAR o jogo do bicho.”
6. COM RESERVAS e RESERVADAMENTE?
COM RESERVAS = com cuidado, com restrições; RESERVADAMENTE = sigilosamente, confidencialmente.
“Tratou do assunto COM RESERVAS.” (=não abriu o jogo, não disse tudo que sabia);
“Tratou do assunto RESERVADAMENTE” (=a sós, confidencialmente).
7. EM PRINCÍPIO e A PRINCÍPIO?
EM PRICÍPIO = em tese, em teoria; A PRINCÍPIO = no começo, inicialmente.
“EM PRINCÍPIO, ele é contra o aborto.” (=por princípios, talvez religiosos);
“A PRINCÍPIO sou contra as suas ideias.” (=num primeiro momento).
As edições mais recentes dos nossos principais dicionários já consideram EM PRINCÍPIO sinônimo de A PRINCÍPIO no sentido de “inicialmente, num primeiro momento”.
8. AO INVÉS DE e EM VEZ DE?
AO INVÉS DE = ao contrário de; EM VEZ DE = em lugar de.
“Entrou à direita AO INVÉS DE entrar à esquerda.” (direita e esquerda se opõem);
“Foi à praia EM VEZ DE ir ao jogo.” (ir à praia e ir ao jogo não são coisas opostas).
9. DE ENCONTRO A e AO ENCONTRO DE?
DE ENCONTRO A = contra; AO ENCONTRO DE = a favor.
“O carro foi DE ENCONTRO AO poste.” (=o carro se chocou contra o poste)
“Ficamos felizes, pois o projeto vem AO ENCONTRO DAS nossas necessidades.”
10. TODO e TODO O?
TODO = qualquer; TODO O = inteiro.
“Ele é capaz de fazer TODO trabalho.” (=qualquer trabalho, todos os trabalhos);
“Ele é capaz de fazer TODO O trabalho.” (=aquele trabalho inteiro).
UMA DICA
Quando o substantivo é qualificado por mais de um adjetivo, tratando-se de seres diferentes, o substantivo fica no PLURAL (ou no singular, se repetir o artigo):
“Completou OS CURSOS básico e intermediário.”
“Completou o CURSO básico e o intermediário.”
“Precisam aprender AS LÍNGUAS inglesa, espanhola e alemã.”
“Precisam aprender a LÍNGUA inglesa, a espanhola e a alemã.”
UMA DÚVIDA
Leitor quer saber qual é a concordância correta: “primeiro e segundo grau” ou “primeiro e segundo graus”?
O correto é “primeiro e segundo graus”.
Também estaria correto “o primeiro e o segundo grau”.
O mesmo ocorre em “sétima e oitava séries” ou “na sétima e na oitava série”.
Conheça a lista de falsos sinônimos mais comuns do português
Esta coluna não tem apenas leitores assíduos. O número de leitores eventuais é cada vez maior. A comprovação são as perguntas já respondidas que voltam com muita frequência. Por causa disso, começamos hoje o nosso “vale a pena ver de novo”.
O primeiro assunto são os falsos sinônimos. São aquelas palavras que verdadeiramente não são sinônimas, mas que muita gente boa usa como se fossem. Em geral, a pergunta dos leitores é uma só: “Qual é a diferença?”
1. MESMO x IGUAL?
MESMO = um só; IGUAL = outro idêntico.
“Estamos com o MESMO problema do ano passado.” (= É um problema só. Significa que o problema do ano passado não foi resolvido);
“Estamos com um problema IGUAL ao do ano passado.” (= É outro problema, com as mesmas características do problema do ano passado).
2. INÚMEROS x NUMEROSOS?
INÚMEROS = incontáveis; NUMEROSOS = muitos.
“Olho para o céu e vejo INÚMERAS estrelas.” (= São tantas que é impossível contá-las);
“É uma família muito NUMEROSA.” (= É uma família compostas por muitas pessoas).
3. EVENTUAL x POSSÍVEL x PROVÁVEL x POTENCIAL?
EVENTUAL = ocasional, esporádico, ocorre de vez em quando, difícil de acontecer;
POSSÍVEL = tudo o que pode acontecer;
PROVÁVEL = o que deve acontecer;
POTENCIAL = o que pode vir a ser.
“É um problema EVENTUAL.” (= É aquele que acontece de vez em quando);
“Um POSSÍVEL problema” ( = É o que pode tornar-se um problema);
“Um PROVÁVEL problema” (= É o que tem de tudo para tornar-se um problema);
“Um problema POTENCIAL” (= Ainda não é um problema, mas pode tornar-se um).
4. ARRUINADO x DESTRUÍDO?
ARRUINADO = quem perdeu tudo; DESTRUÍDO = destroçado.
“Aquele rico empresário acabou ARRUINADO.”
“O prédio foi todo DESTRUÍDO.”
5. SUPLEMENTAÇÃO x COMPLEMENTAÇÃO?
SUPLEMENTAÇÃO = extra, adicional;
COMPLEMENTAÇÃO = segunda parte, o que completa.
“Para dar o aumento salarial, foi necessário uma verba SUPLEMENTAR.”
“A etapa COMPLEMENTAR foi melhor que o primeiro tempo.”
6. REVERTER x INVERTER x MODIFICAR?
REVERTER = voltar ao que era antes; INVERTER = mudar para o oposto; MODIFICAR = simplesmente mudar, alterar.
“O paciente entra em coma. Os médicos tentam REVERTER o quadro.”
“O Detran deve INVERTER a mão desta rua.”
“É preciso MODIFICAR as regras do jogo.”
7. QUESTIONAR x PERGUNTAR?
QUESTIONAR = pôr em dúvida; PERGUNTAR = indagar.
“O sócio QUESTIONOU a validade do contrato.”
“Quem é a favor do projeto? PERGUNTOU o diretor.”
8. COMERCIALIZAR x VENDER?
COMERCIALIZAR = comprar, vender, alugar, emprestar…;
VENDER = é uma das atividades da comercialização de um produto.
“É uma empresa que COMERCIALIZA software em todo o país.”
“O Vectra está sendo VENDIDO por R$30.000,00.”
9. ACATAR x ACOLHER?
ACATAR = obedecer; ACOLHER = aceitar, receber.
“Os empregados ACATARAM a ordem do chefe.”
“O juiz não ACOLHEU a nossa ação.”
10. DESABRIGADO x DESALOJADO?
DESABRIGADO = quem fica sem casa para morar;
DESALOJADO = quem teve de sair de casa.
“Os fortes temporais deixaram muitos desabrigados (as casas foram destruídas)”;
“Os fortes temporais deixaram muitos desalojados (as casas não foram destruídas, mas tiveram de sair de casa e ir para um local seguro)”.
HAVER ou A VER?
Usamos o verbo HAVER com o sentido de “existir, ocorrer, acontecer, tempo transcorrido…”:
“Deverá haver muitas pessoas na reunião de hoje” (=deverão existir);
“Pode haver acidentes nesta esquina” (=podem ocorrer);
A VER = preposição “a” + verbo “ver”:
“Ele foi obrigado a ver o filme inteiro”;
“Isso não tem nada a ver” (=para ver);
“Tem tudo a ver” (=para ver).
Veja exemplos da influência do grego nas palavras em português
O português é uma língua neolatina, isto é, deriva-se do latim, que era falado na Roma antiga e que se espalhou pelo grande império romano. Do latim saíram vários “filhotes”: o português, o espanhol, o catalão, o francês, o italiano, o romeno…
Isso significa que a maioria das palavras que usamos hoje é derivada do latim. Eu disse a maioria, e não todas. Uma língua viva, durante a sua evolução, deixa-se influenciar por outras. A língua portuguesa, com o passar do tempo, foi enriquecida pelo árabe, pelo hebraico, pelo francês, pelo inglês, pelo japonês, pelo alemão…
Marcante na nossa língua é a presença do grego.
Você sabe o que é um oftalmotorrinolaringologista?
Aqui está um belo exemplo de um palavrão que não ofende ninguém. É uma palavra composta por alguns elementos de origem grega.
1o) “Oftalmo” significa “olho”. Oftálmico é relativo ao(s) olho(s). Um oftalmologista é especialista em oftalmologia (= ramo da medicina que estuda os olhos em todos seus aspectos).
2o) “Oto” significa “ouvido”. Otite (= oto + ite) é inflamação do ouvido. Otalgia (= oto + algia) é a popular dor de ouvido.
Já que falamos em “algia” (= dor), lembremos a nevralgia ou neuralgia (= dor dos nervos) e a cefalalgia ou cefaleia, que é a popular dor de cabeça. Daí o encéfalo (en + céfalo = dentro da cabeça) e acéfalo (a + céfalo = sem cabeça). Se você quiser acabar com a dor, tome um analgésico (an + algia = sem dor).
3o) “Rino” significa “nariz”. Rinite é inflamação na mucosa nasal. Muita gente pensa que rinite é inflamação no rim. Errou. Rinite é no nariz, e nefrite é inflamação no rim.
Confusão semelhante ocorre com estomatite. Há quem imagine que seja uma inflamação no estômago. Errou de novo. Estomatite é inflamação da membrana mucosa da boca; do estômago é gastrite.
Uma curiosidade: o rinoceronte deve ter este nome por ter um chifre no nariz.
4o) “Laringo” é a laringe (= garganta). A laringe situa-se acima da traqueia e comunica-se com a faringe. A função da laringe é intervir no mecanismo de fonação (= sons da fala, por exemplo) e impedir que alimentos entrem na traqueia. É por isso que uma laringite (= inflamação na laringe) prejudica a fala e o ato de engolir.
5o) “Logia” é “estudo”. Lembrem-se de biologia (= estudo da vida), geologia (= estudo da terra), cardiologia (= estudo do coração), etimologia (= estudo da origem das palavras)…
6o) “-ista” é um sufixo que dá a ideia de “ofício, ocupação”. É o mesmo que aparece em pianista, jornalista, dentista, artista, jurista…
Conclusão: um oftalmotorrinolaringologista é um médico especialista em olhos, ouvidos, nariz e garganta. É uma especialidade hoje quase inexistente. Afinal, é um especialista em tantas coisas que é quase um clínico geral. E, se o valor de sua consulta fosse por letra, estaríamos perdidos.
Nervo ÓTICO ou ÓPTICO?
Segundo o novíssimo dicionário Aurélio:
“ÓTICO 1 – Relativo ou pertencente a ouvido.
ÓTICO 2 – V. óptico.
ÓPTICO – Relativo à visão, ou ao olho; ocular.
(Var.: ótico 2).”
Traduzindo: o adjetivo ÓTICO deveria ser usado somente para o ouvido, mas, por ser também uma forma variante de ÓPTICO, pode ser usado para a visão, para o olho. O adjetivo ÓPTICO só pode ser usado para a visão.
Não é errado, portanto, usarmos ÓTICO para visão: “Na minha ótica (modo de ver as coisas), ele deve ser substituído”; “Comprei meus óculos na Ótica Universal”.
Mas não esqueça que o nervo ótico, a princípio, é o nervo auditivo.
De onde vem o FRANGO?
Leitor descobriu que, em Latim, a forma FRANGO é do verbo frangere, que significa “romper, quebrar, fazer em pedaços”. Quer me convencer que o nosso FRANGO (= o filho da galinha já crescido, porém antes de ser galo) deve ter recebido este nome porque os romanos devoravam os “quase galos” em pedaços.
Pior é que a história pode não ser tão absurda assim. Se consultarmos qualquer dicionário, encontraremos a palavra FRANGALHO, que significa “farrapo, trapo, coisa imprestável, caco”. Deriva-se do verbo FRANGER (= quebrar, despedaçar), que vem do verbo latino frangere.
E ainda tem mais: o dicionário Aurélio diz que o substantivo FRANGO (= pinto adulto) é uma derivação regressiva de FRANGÃO, que por sua vez tem origem controversa.
Gostaria que os especialistas no assunto me ajudassem. Aceito contribuições. Adoro ouvir versões. Fazem pensar, e isso é bom. Vamos decifrar o segredo do FRANGO.
O DESAFIO
Qual é a palavra de origem grega para:
a) quem tem “curta vida”;
b) o “músculo do coração”;
c) o objeto cuja “asa é a hélice”;
d) a “correta escrita”;
e) a “aversão a sangue”.
As respostas são:
a) micróbio;
b) miocárdio;
c) helicóptero;
d) ortografia;
e) hematofobia.
Hoje é dia de resgate.
Na semana passada, resolvi organizar melhor o arquivo de cartas e e-mails com perguntas não respondidas. Entre tantas, encontrei algumas antigas que não foram respondidas até hoje e que merecem a nossa atenção.
1ª) Carta de uma leitora indignada: “Os programas de TV abrangem uma parcela muito grande de pessoas e ensinam como falar errado a nossa língua. Frequentemente ouço de apresentadores de TV e entrevistados coisas do tipo:
1ª) Essa pergunta é meia descabida;
2ª) Quando eu ver o filme;
3ª) Na hora que eu ver a foto;
4ª) Fez de tudo para vim no meu programa;
5ª) Era pra mim ter falado.
Poucos são os apresentadores que falam um português correto ou próximo do correto. Por incrível que pareça, os que mais falam errado são os que mais cobram do governo investimento na educação (entenda-se instrução). E os que mais alto salário têm.
Quanto maior o Ibope, maior o salário. Quanto maior o Ibope, mais pessoas atingem.
A mídia ajuda a formar, se é que não forma totalmente, a opinião pública. Ela pode ensinar o certo ou o errado. Os apresentadores deveriam dar o exemplo falando corretamente, pois atingem um percentual enorme da população, que os imita.”
Concordo com a nossa leitora. A responsabilidade dos profissionais de comunicação é cada vez maior. A influência dos apresentadores de TV, principalmente os de programas mais populares e em especial os de programas infantis, é imensa. A tendência natural dos telespectadores, mais ainda das crianças, é imitar os seus ídolos. E aqui incluímos o seu modo de falar.
Não é preciso falar errado para atingir o seu público. Ninguém gosta de ser tratado como idiota ou ignorante. A linguagem coloquial deve ser simples, com vocabulário acessível, mas sem abusar dos desvios gramaticais.
Deve haver um mínimo de respeito às normas gramaticais. Nos exemplos citados pela nossa leitora, as correções a serem feitas são as seguintes:
1ª) Essa pergunta é meio descabida;
2ª) Quando eu vir o filme;
3ª) Na hora em que eu vir a foto;
4ª) Fez de tudo para vir ao meu programa;
5ª) Era para eu ter falado.
2ª) Carta de um leitor revoltado: “Favor avisar ao jornalista panaceia universal é pleonasmo vicioso.”
O prefixo “pan”, de origem grega, significa “tudo, total, geral”: do campeonato pan-americano participam todas as Américas; pancontinental é referente a todos os continentes; panteão era um templo dedicado a todos os deuses; e panorama é a visão em toda sua amplitude.
Panaceia é remédio para todos os males.
O nosso leitor tem razão em parte. Trata-se de uma redundância, mas não chega a ser um pleonasmo grosseiro do tipo “subir pra cima”, “ganhe grátis”, “hemorragia de sangue”…
O dicionário Aurélio cita um exemplo do escritor Ramalho Ortigão: “O campo e a praia, o ar do monte e o ar do mar são…a universal panaceia para as moléstias endêmicas das grandes cidades…”
Muitas vezes a ênfase justifica o uso de um bom pleonasmo: “vi com meus próprios olhos”, “pisei com meus próprios pés”, “lutei uma luta inglória”, “sonhei um sonho sonhado”…
O uso do PONTO E VÍRGULA
É uma pausa maior que a vírgula é menor que o ponto-final, uma vez que não encerra período.
a) Emprega-se vírgula ou ponto e vírgula antes de conectivos adversativos (mas, porém, contudo, todavia…) ou conclusivos (logo, portanto, por isso, por conseguinte…):
“Ele trabalha muito; (ou ,) porém não foi promovido.” (facultativo)
“Ele trabalha muito; não foi, porém, promovido.” (indica que a primeira pausa é maior, pois separa duas orações)
“Ele sempre se dedicou à empresa; será, pois, promovido.”
“Os empregados iriam todos; não havia necessidade, por conseguinte, de ficar alguém no pátio.”
b) Para separar os itens de uma enumeração:
“Devemos tratar, nesta reunião, dos seguintes assuntos:
1º) Cursos a serem oferecidos, no próximo ano, a nossos funcionários;
2º) Objetivos a serem atingidos;
3º) Metodologia de ensino e recursos audiovisuais;
4º) Verba necessária.”
c) Para separar os itens de uma explicação:
“A introdução dos computadores pode acarretar duas consequências: uma, de natureza econômica, é a redução de custos; a outra, de implicações sociais, é a demissão de funcionários.”
d) Para separar itens diferentes de uma enumeração:
“O Brasil produz café, milho, arroz; ouro, níquel, ferro.” (gêneros alimentícios; riquezas minerais)
“O cavalo sertanejo é esguio, sóbrio, pequeno; rabo compridíssimo, crinas grandes.” (aquilo que o cavalo é; características que ele tem)
e) Para separar grupos de orações coordenadas que, por apresentarem unidade de sentido ou aspectos em comum, convém deixar no mesmo período, embora pudessem figurar em períodos separados:
“Na linguagem escrita é o leitor; na falada, o ouvinte.”
“Nas sociedades anônimas ou limitadas existem problemas: nestas, porque a incidência de impostos é maior; naquelas, porque as responsabilidades são gerais.”
“É proibida a entrada”: veja como usar a concordância de gênero
qua, 02/05/12
por Sérgio Nogueira |
categoria Dicas
1ª) A concordância na frase ”Foi necessário a colocação de placas de aço para a passagem de veículos” está correta?
A leitora tem razão. O certo é “Foi NECESSÁRIA a colocação de placas…”
A presença do elemento determinativo (artigo definido = “a” colocação) obriga a concordância no feminino.
É o mesmo caso de: “É PROBIDA a entrada de estranhos”; “Não foi PERMITIDA a remessa dos dólares”; “A cerveja é muito BOA”.
2ª) Na frase: “Seu carisma aumentou ao ser preso e ter sua medalha olímpica caçada por se recusar a lutar na guerra do Vietnam”, o verbo é CAÇAR ou CASSAR?
Alguns “animais” realmente merecem ser caçados. Entretanto, a medalha olímpica do grande campeão foi CASSADA. Isso significa que o seu título foi “anulado, perdeu a validade”.
É o mesmo que CASSAR (=anular) o mandato de um deputado ou a licença para funcionamento de uma empresa.
3ª) DA ou DE A, DO ou DE O?
Carta de uma leitora: “Até hoje não consegui compreender a diferença entre “de a/o” e “da/do”. Por que em alguns casos escreve-se e fala-se a preposição sem fazer a combinação com o artigo?”
A preposição “de” não faz a combinação com o artigo quando o termo a seguir exerce a função de sujeito. Compare:
“Eu saí antes do aluno” (“do aluno” não é sujeito);
“Eu saí antes de o aluno terminar a prova” (“o aluno” é o sujeito do verbo “terminar”).
A dica é o verbo. Para que o termo seja sujeito, é necessária a presença de um verbo (=sempre no infinitivo):
“Os ladrões chegaram antes de a agência abrir.”
“Isso se deve ao fato de o atacante não ter assinado o contrato.”
“Na hipótese de os parlamentares aceitarem as emendas…”
“Apesar de as ideias serem boas …”
4ª) Leitor quer saber se DIFERENÇAR e DIFERENCIAR são sinônimos. Segundo ele, nos seus bons tempos de escola, aprendeu que “fazer diferença” é DIFERENÇAR, e não DIFERENCIAR como ouvimos hoje com muita frequência.
A verdade é que DIFERENÇAR e DIFERENCIAR são sinônimos. Segundo os nossos dicionários, DIFERENÇAR significa “fazer diferença” e DIFERENCIAR, entre outras acepções, também pode ser usado no sentido de “fazer diferença”.
5ª) Sobre a frase: “Estamos habituados a falar muito para dizer pouco, a escrever mais que o necessário, a discursar mais para impressionar do que comunicar.”
Leitor pergunta: “Não seria este um caso típico para se usar o ponto e vírgula no lugar das duas vírgulas empregadas?”
Não é preciso substituir as vírgulas pelo ponto e vírgula. O uso do ponto e vírgula é para indicar uma pausa maior. Se não houver vírgula (=pausa menor), para que o ponto e vírgula?
6ª) A respeito da frase: “Usaram-se e abusaram-se de palavras e expressões que nada dizem.”
Foram tantas cartas que perdi a conta. Os leitores estão atentíssimos.
Misturaram as duas possibilidades de indeterminar o sujeito da frase: ou “Usaram e abusaram de palavras e expressões que nada dizem” ou “Usou-se e abusou-se de palavras e expressões que nada dizem.”
7ª) Leitor quer saber se está correta a pontuação da frase “Se dirigir; não beba, se beber; não dirija”.
Já escrevi a respeito dessa frase. Bêbado estava quem a escreveu.
O correto é “Se dirigir, não beba; se beber, não dirija”. As vírgulas indicam o deslocamento das orações subordinadas (= “se dirigir” e “se beber” são orações subordinadas adverbiais condicionais). O ponto e vírgula indica a pausa maior que separa as duas ideias coordenadas: “não beba se dirigir ou não dirija se beber”.
DESAFIO 1
Onde está o erro da frase abaixo:
“Aqui estão as cláusulas que faltavam incluir no contrato”?
O certo é: “Aqui estão as cláusulas que faltava incluir no contrato”.
O verbo (=faltava) deve ficar no singular para concordar com o seu sujeito (=incluir no contrato). O que faltava era “incluir as cláusulas no contrato”, e não “as cláusulas”.
DESAFIO 2
As dúvidas são:
1ª) Passou muito mal, PORISSO ou POR ISSO deve ser perdoado?
2ª) Foi demitido HAJA VISTA ou HAJA VISTO o problema surgido?
3ª) Falava A ou À respeito da festa?
As respostas são:
1ª) POR ISSO (Não existe a forma porisso);
2ª) HAJA VISTA (Não existe, como conectivo, a forma haja visto);
3ª) A RESPEITO DE (Não há crase antes de palavra masculina).